3.5.12

Adeus Socialismo

Lembro-me, como se fosse ontem, quando a três anos atrás eu rasgava meu último documento, que me ligava ao PSDB. Fiz isso num misto de dor e decepção, pois com este partido aprendi o que era a vida política, mesmo com o fisiologismo que existia dentro dele.

Da mesma forma, que eu amava o PSDB eu passei a odiá-lo, quando retomei as minhas leituras, do manifesto comunista, do 18 Brumário e de tantos outros livros e textos marxistas. Me enfiei de cabeça na militância política, mesmo com as desconfianças e preconceitos que haviam por parte das outras pessoas em relação a mim.

Pois é, fui aprender o que de fato era ser de esquerda, me engajei nos movimentos, aprendi palavras de ordem, lemas libertários, aprendi até a cantar a Internacional Socialista. Mudei meus conceitos sobre as mulheres, sobre os homossexuais, sobre o MST, enfim, virei uma outra pessoa, completamente diferente.

Ingressei no P-SOL e comecei a militar, me afastei de alguns amigos que eu julgava ser ¨má influência ideológica¨ e fiz um novo circulo de amizades.

Hoje percebo, que todo essa mudança, esse engajamento, essa reciclagem, esse radicalismo político, esse ódio ao PSDB, enfim, tudo isso não serviu para coisa nenhuma. Serviu sim, para me deixar uma pessoa extremamente fechada e transtornada, decepcionada com a felicidade.

Tudo isso trouxe como consequências para mim, um horizonte reduzido, uma pobreza teórica, literária e até de valores. Tudo isso em nome de um suposto ¨ideal¨que nem mesmo os nosso ¨inspiradores políticos¨ seguem mais.

Percebi que ser socialista estava me fazendo mal, quando comecei a esboçar ¨reações violentas¨ de intolerância contra amigos que tinham opiniões, estilo e até conceitos diferentes dos meus. Ao ponto de querer ¨sair no braço¨ com um deles.

Percebi também que quase todas as pessoas ¨ditas de esquerda¨ são intolerantes, grossas, arrogantes, desrespeitosas e que constantemente patrulham as nossas opiniões, estilo de vida, nossa roupa e até os amigos com quem nos relacionamos. Não estou dizendo que todos são assim, mas alguns que eu conheci, me passaram essa impressão. E isso tem me contaminado de forma muito seria.

Ontem tomei a decisão mais difícil da minha vida, talvez mais dolorosa do que a que eu tive a três anos atrás. Vou dar adeus ao socialismo. Mais não será fácil pois, ser de esquerda não é como trocar de roupa ou de video-game.

Ser de esquerda é como ser torcedor fanático de um time de futebol, é paixão, é um estado de espírito, é estilo de vida, é doar o seu corpo e sua alma para uma causa invisível. Comparo o ato de ser de esquerda, como o ato de ser cristão, é uma entrega pessoal, uma entrega que muda completamente a nossa forma de ver o mundo.

Mas infelizmente para mim não dá mais, pois eu já não sou mais o mesmo, já não me reconheço mais, sinto um vazio muito grande por dentro, uma vontade de liberdade que eu jamais tive, uma vontade de eu fazer o que eu quiser, ir a onde eu quiser, conversar com quem eu quiser, sem medo de estar traindo este ou aquele princípio.

De tudo que eu herdei dessa fase, e da qual eu sinto orgulho, é que, eu me tornei mais humano, vejo a realidade de uma maneira diferenciada, eu consigo me colocar na pele do oprimido, isso talvez seja a única característica esquerda, que eu captei.

Não sei o que vou ser ou vou fazer daqui para frente, não sei como irei recuperar o tempo perdido, pois estou num ¨vaco infinito¨ de horizonte, de caminhos a seguir. Vou continuar sendo o que sou, um humanista, mas certamente não irei mais encarar o mundo de maneira sectária.

Mas de uma coisa eu tenho certeza, depois dessa decisão, estou bem mais feliz e com o coração leve. E viva a liberdade!

Realidade e experiência

Ontem ao sair da câmara de vereadores tive que passar por um teste, um teste divino. Embora eu esteja bem descontente com Deus, e até duvide de sua existência em alguns momentos, acho que ele gosta de me provocar. Acho que ele gosta de mostrar o quanto eu estou errado e que eu tenho muito a aprender.

Indo a pé pela Avenida Duque de Caxias, junto com dois amigos, encontrei alguns moradores de rua, que pediram o nosso auxilio. Paramose começamos a conversar com eles, para saber do que precisavam e como poderíamos ajudar.

Falaram de suas aventuras nas ruas, das bebidas,das dificuldades de encontrar comida, do preconceito alheio, das doenças que os acometem, enfim, de tudo.

Depois dessa conversa, continuamos o nosso caminho e confesso que este contato me chocou, não que eu não tivesse uma vivência compessoas em situação de rua, mas porque de fato, isso me fez pensar o quanto eu tenho vergonha de ser chamado de humano.

É inegável que vivemos num mundo capitalista, onde todas as nossas relações são pautadas pelos bens materiais que nós temos e não pela nossa essência, mas tudo tem um limite. É inadmissível ver vereadores supostamente ¨eleitos pelo voto popular¨ andarem de carros novos e receberem salários astronômicos, enquanto pessoas passam fome.

Não vou entrar em divagações teóricasde como seria o meu mundo ideal, mas percebo, que precisamos evoluir, que precisamos olhar o ser humano não como mercadoria, mas como sujeitos iguais agente e que precisam ser amados e respeitados de forma digna.

Recentemente, vi uma reportagem dramática do baixista de uma das maiores bandas de rock do Brasil, alegião urbana. Não vou julgar o que levou esse individuo a chegar nessa situação lamentável, mas é interessante notar o quanto nós somos frágeis, o quanto somos vulneráveis aos acontecimentos da vida. Quem iria imaginar, um músico de umadas maiores bandas de Rock da nossa geração virar morador de rua?

Este tipo de acontecimento,faz com que a gente enxergue a realidade de maneira diferente. Nossas relaçõescom pais, irmãos, amigos, com o vizinho, faz com que nós nos reciclemos enquanto seres de fé, enfim, faz com que sejamos mais sensíveis a tudo e a todos.

Às vezes não, pode acontecer o inverso, nos revoltar e nos tornarmos amargos com a vida e com as pessoas a nossa volta, mas de uma coisa a gente acaba sempre tendo certeza, de que precisamos mudar, não o mundo, mas pelo menos a nós mesmos.

Rótulos e as pessoas com deficiência


Sou contra rótulos, mas sempre acabo cometendo este erro imperdoável. Devo ser contra pelo fato de possuir uma deficiência e por ela descarregar sobre mim uma carga muito grande de preconceitos, que tem como conseqüência o rótulo.

É comum ouvir afirmações do tipo: ''Ah! ele é deficiente não pode jogar bola'', ''Ah! ele é deficiente, não pode transar'' ou mesmo ''Mas ele é deficiente, como vai trabalhar?''. Tais rótulos são conseqüências de preconceitos que as pessoas trazem intrínsecas em si e, por mania, acabam generalizando a todo um grupo.

Pode ser que realmente exista (como deve existir) pessoa com deficiência que não jogue bola, não transe e muito menos trabalhe, mas tais ''faltas'' ocorrem por dois possíveis fatores. Primeiro, devido a uma questão orgânica, ou seja, a deficiência impede de alguma forma que ela exerça tais atividades. Segundo, por uma questão social: por ser recriminado frontalmente pelas pessoas a sua volta.

Essa dificuldade de exercer tais tarefas devido a uma questão social se dá de duas formas: por uma discriminação frontal das pessoas ao redor. Exemplo: o rapaz com deficiência chega para paquerar a moça sem deficiência ou, o contrário, e recebe um não bem categórico pelo fato de ele ou ela ter deficiência e não por seus outros atributos. Há ainda uma discriminação velada que é exercida muitas vezes pela família (pelo paternalismo) ou pela sociedade em geral. Um exemplo: a mãe que não deixa o filho sair de casa ou os amigos que sempre tentam poupá-lo de fazer qualquer coisa, como levar uma mochila, ou amarrar o tênis.

Mas tais coisas, necessariamente, não acontecem com todas as pessoas com deficiência e é essa a grande questão. Muitos acreditam que ter uma deficiência impede uma moça ou um rapaz de fazer ou exercer qualquer coisa. E, o pior, entendem que sejam todos assim. Se por acaso uma pessoa com deficiência vence na vida, qual é a frase que se ouve frequentemente? ''Nossa ele venceu na vida, mesmo sendo deficiente'' ou, mesmo quando cometem um crime, ''nossa é deficiente, mas é um criminoso''. Ou seja, ter vencido na vida ou ser um criminoso não é um atributo ou um defeito visto naquela pessoa, mas sim a deficiência.

O interessante que isto está intrínseco em todos, até mesmo nas próprias pessoas com deficiência. Há alguns casos de deficientes que trabalham, têm uma vida sexual ativa ou mesmo praticam esportes (como jogar bola) que são alvos de discriminação dos próprios colegas. São pessoas que têm enraizadas em suas cabeças que são incapazes de exercer determinadas funções e assim desqualificam os que conseguem. Por quê? Pode ser por inveja, frustração, impotência. Assim, esse indivíduo acaba rotulando o seu companheiro, levando em consideração as suas próprias limitações.

E há também os exemplos contrários de rótulos. Pessoas com deficiência que têm uma vida normal e discriminam as que não conseguem, pois só as veem em sua ótica de ''pretensos vencedores''. O que precisa ser entendido é que as pessoas com os diversos tipos de deficiência têm as suas limitações, suas potencialidades e sofrem uma carga muito grande de preconceitos. São o tempo todo testadas até o limite para que se saiba até onde vai a sua capacidade, para que os ''ditos normais'' possam medir o nível de respeito por estes indivíduos.

Uma das grandes dificuldades das pessoas com deficiência hoje é serem tratadas como cobaias para daí, possivelmente, serem aceitas pela sociedade. E caso uma pessoa com deficiência cometa algum erro, sempre o rótulo vai aparecer.

O Capitalismo e a Religião

No bairro onde eu moro, percebi que há um número elevado de igrejas, uma católica e pelo menos doze ou treze evangélicas. Das evangélicas, três são presbiterianas, e uma batista. As demais, são igrejas que foram fundadas recentemente. Só na rua onde eu moro tem duas, uma em cada esquina.

Pois bem, não sou contra igrejas, pois vivemos numa democracia e todas as pessoas precisam e devem ter os seus espaços reservados para manifestarem as suas crenças, isso é uma premissa obvia de nossa constituição.

No entanto, percebo algo muito complicado no ar. já repararam o tanto de igrejas, que a cada dia floresce? Quantos estabelecimentos comerciais, barracões, cinemas, armazéns estão se transformando em templos religiosos?

O que mais me chama a atenção é que hoje qualquer pessoa pode abrir uma portinha, colocar um equipamento de som, púlpito, algumas cadeiras, arranjar uma bíblia e dizer meia dúzia de palavras bonitas, supostamente vindas de Deus, que ele terá ouvintes para ouvi-lo sempre, e até futuros membros que possam contribuir para a sua ¨obra¨.

Este que é o grande perigo. Vivemos um momento de caos total, onde os governos não nos representam como deveriam, o individualismo se arraigou, as pessoas conversam pouco umas com as outras, a violência é uma constante na vida das pessoas, famílias estão desestruturadas, pais que brigam com filhos, filhos que brigam com os pais, as drogas se tornaram um grande mau incontrolável, enfim vivemos ¨cada um no seu quadrado¨ sem se preocupar com o que virá.

As pessoas estão desesperadas por um pouco de calor humano, alivio para o seu sofrimento. Qual é o remédio? A religião. Se no século XX o remédio para resolver os problemas eram as drogas, o enfrentamento contra o que está ai, através de bandeiras libertarias, o século XXI, virou o século da fuga, ou seja, o século onde as pessoas procuram encontrar um abrigo para as suas frustrações. É exatamente isso que os malandros se aproveitam.

Como disse acima, hoje qualquer um pode montar uma igreja, pois não há fiscalização, não a cobranças de impostos, não precisa apresentar qualquer coisa na receita federal, os ¨ditos pastores¨ não precisam apresentar diplomas de teólogos, se a igreja for de caráter neo-pentecostal, enfim, o culto a Deus que antes era ¨coisa de careta¨ hoje virou moda, rende lucro e até tem espaço na Rede Globo de televisão e todos ficam felizes para sempre.

Isso é bom ou ruim? Eu não saberei dizer, o que eu sei é que isso está ficando incontrolável e muito chato, pois não se sabe até que ponto, uma igreja de ¨beira de esquina¨ ou um ¨grande templo¨ pode nos ajudar. Mais o que se percebe é que a religião se tornou banal, hoje qualquer um pode se intitular ¨servo de Deus¨ e explorar as outras pessoas até a ultima gota, em nome de uma ¨suposto alivio espiritual¨.

No século passado o capitalismo se apropriou do rosto de Che, símbolo da revolução armada e do socialismo, agora nesse século em que vivemos, ele se apropriou do símbolo Máximo da religião, Jesus Cristo.

O Preconceito é uma doença

Todos nós sabemos que o preconceito existe. Existe contra os negros, contra as mulheres, contra os homossexuais, contra os políticos, contra os garis e principalmente contra nós pessoas com deficiência.

Sabemos também que é preciso combatê-lo, seja através de formação, debate e informação, ou através de denúncias às autoridades competentes. Pois o preconceito e a discriminação, a cada dia que passa, graças a Deus, vêm se tornando um crime odioso em nosso país.

No entanto, percebo que por mais que a gente explique, debata e gaste o nosso tão limitado vocabulário sobre este assunto, parece que as manifestações de preconceito estão a cada dia surgindo mais e mais.

São coisas que, a primeira vista, parecem banais aos nossos olhos e que ao olharmos superficialmente, ficaríamos até irritados, se fossemos repreendidos cometendo tais atos.

É o humor bestial e vazio da MTV, ao criar um programa imbecil intitulado ¨casa dos Autistas¨ sem ao menos se preocupar em saber, o que é de fato o autismo e quais as limitações que esta síndrome trás de fato às pessoas que a possuem.

É a brutalidade de um motoqueiro curitibano sem noção e grosso, que estaciona sua moto entre duas vagas preferenciais para pessoas com deficiência, e ao ser abordado por uma usuária da vaga, ainda tem coragem de dizer que ela está errada e que está usando de sua deficiência para se promover e que chega ao ponto de querer agredi-la, para impor a sua razão.

É o gerente de um restaurante em São Paulo que, sem olhar, expulsa uma criança, filha adotiva de um casal de espanhóis, por achar de forma racista que pelo fato de ela ser negra, seria uma criança de rua. E que, após ser brutalmente (e com razão), interpelado pelos pais da criança, ainda diz orgulhoso de seu racismo ¨se não gostou, procura outro estabelecimento pra comer¨.

Ou o policial londrinense, arrogante e despreparado com ¨complexo de otoridade¨ que prende sem nenhuma justificativa, um professor negro, por achar, do alto de sua arrogância de ¨otoridade¨, que ele poderia olhar a sua valiosa senha do cartão e roubar o seu dinheiro.

Enfim, são coisas que acontecem aos nossos olhos e nós achamos que está tudo bem, que tudo é passível de negociação, que foi tudo um mal entendido. Que está conversa de racismo, discriminação, luta entre classes é conversa eleitoreira do PT, que está ultrapassada, que na democracia moderna não há lugar para este tipo de manifestação, enfim, que estamos no séc. XXI, num mundo de civilização avançada. Ledo engano.

Diziam antigamente que doenças, como os cânceres e a AIDS, nunca teriam cura e que elas seriam as protagonistas da destruição da humanidade. Hoje vários tipos de câncer, podem ser tratados e curados, se descobertos a tempo. Já a AIDS ainda não tem cura, mais se for descoberta a tempo e o paciente seguir o tratamento de forma correta, ela (a AIDS), pode ser considerada nos dias atuais como uma doença crônica, assim como, o diabético ou o renal crônico.

Já o preconceito eu tenho as minhas dúvidas, pois ele não é meramente uma característica da personalidade do individuo, ele tem se mostrado como uma doença genética, algo que está dentro da alma e do coração, é algo que vem de dentro, é uma coisa incontrolável que nem os remédios controlados mais poderosos do mundo, conseguem dar jeito.


E a má noticia é que todos nós somos portadores dessa doença, e a única coisa que podemos fazer é aprender através da convivência com a diversidade, através do amor, do aprendizado com a realidade, que poderemos controlar este mau que temos dentro da gente. E estarmos atentos a qualquer sintoma, pois o preconceito é uma doença tão poderosa e tão eficaz, que age de forma silenciosa, que quando a gente percebe, já é tarde, pois já se manifestou e causou estragos, tanto a nós mesmos, como aos nossos semelhantes.